A esclerose múltipla (EM) é a doença autoimune desmielinizante crônica do sistema nervoso central (SNC) mais prevalente, com mais de 2,5 milhões de pessoas no mundo acometidas e mais predominante no sexo feminino (3:1), principalmente no período da idade fértil5,2.
Desta forma, é muito importante que o planejamento familiar e a gravidez sejam discutidos de forma proativa desde o diagnóstico da EM, com atenção especial para a escolha do tratamento específico.
As incertezas e controvérsias no aconselhamento para as mulheres com EM durante a gravidez e no período pós-parto mudaram significativamente nos últimos 30 anos. O neurologista irá considerar como fator essencial o controle da doença na concepção, durante a gravidez e no puerpério2.
Atualmente, a maioria das pacientes com EM não precisa mais alterar os planos de gravidez ou de amamentação por causa da doença2.
Benefícios potenciais podem justificar o uso do medicamento em mulheres grávidas, pois há dados limitados sobre os perfis de segurança durante a gravidez e riscos ao feto em desenvolvimento.
Converse com o seu médico e entenda quais são as suas opções.
Embora a gravidez possivelmente reduza os surtos, o número não é zero, e muitas pacientes podem precisar de tratamento durante a gravidez. A reativação da atividade inflamatória da esclerose múltipla remitente recorrente (EMRR) é uma característica do período pós-natal, e o tratamento dos surtos pode ser necessário no puerpério2.
Em um estudo com dados extraídos de banco de dados de plano de saúde nos Estados Unidos entre 2006 e 2014, com 39.377 mulheres sem EM, e 2.176 mulheres com EM foi observado um aumento na proporção de mulheres com EM que engravidaram, em contraste com uma diminuição na prevalência de gravidez em mulheres sem o diagnóstico de EM2. Isto ocorreu provavelmente por uma mudança na percepção sobre a doença e a adoção de uma perspectiva positiva com melhor aconselhamento para as pacientes e entendimento dos profissionais de saúde sobre gravidez na EM.
Desta maneira, boa gestão e melhor controle da EM podem favorecer o planejamento da gravidez nas pacientes com EM.
Planejamento familiar2
A primeira decisão para qualquer paciente com EM é definir qual terapia modificadora de doença (TMD) será utilizada. Por isso, é necessário considerar as medicações disponíveis, seus mecanismos de ação, aplicação, características da EM e as necessidades individuais de cada paciente.
A definição da TMD ideal para as pacientes em idade fértil depende também se há controle contraceptivo efetivo. O controle de natalidade confiável é considerado quando se utiliza contraceptivos hormonais, dispositivos intra-uterinos, esterilização cirúrgica ou parceria homossexual2.
Orientações para as mulheres em idade fértil com EM4
Não devem adiar o tratamento com TMD porque desejam ter filhos no futuro.
O uso de anticoncepcional oral não é afetado pelas TMDs.
A gravidez não aumenta o risco de agravamento da incapacidade a longo prazo.
Não devem interromper repentinamente seus medicamentos, quando engravidarem ou suspeitarem de uma possível gestação, e devem entrar em contato com seu médico o mais rápido possível para aconselhamento.
Embora muitas mulheres percebam que seus sintomas de EM melhoram durante a gravidez, alguns sintomas podem piorar, como a fadiga, o desequilíbrio e as queixas urinárias, particularmente nos últimos estágios da gravidez. Por isso, deve-se também comunicar seu médico para que avalie se estão relacionados à EM ou a outro cenário.
Gestão durante a gravidez4
As mulheres com EM devem seguir os padrões já aconselhados a todas gestantes, principalmente sobre não fumar, fazer exercícios para o assoalho pélvico, tomar suplementos recomendados e a vacinação adequada antes de engravidar.
A equipe de EM e/ou neurologista devem ser notificados o mais rápido possível, quando uma paciente com EM engravidar para que possam dar suporte adequado e manter contato com a equipe obstétrica.
As infecções urinárias são mais frequentes nas mulheres com EM durante a gestação do que nas demais mulheres grávidas. Ao sinal de qualquer sintoma ou suspeita de uma possível infecção urinária, a paciente deve imediatamente comunicar seus médicos (neurologistas e obstetra).
A Ressonância Magnética (RM) não está contraindicada em nenhum momento da gravidez, no entanto o contraste gadolínio deve ser evitado sempre que possível.
Se a paciente durante a gravidez apresentar problemas com espasticidade ou fraqueza grave da pelve e/ou membros inferiores, ela deve procurar o neurologista para avaliar a necessidade de encaminhamento aofisioterapeuta para que possa trabalhar em colaboração com a equipe obstétrica a fim de otimizar trabalho de parto e o parto.
A paciente com EM pode requerer apoio adicional de sua família e amigos; para propiciar esse momento, as equipes multidisciplinares do período pós-parto e a de EM devem ajudar a planejar antes do nascimento.
Há evidências de um risco aumentado de complicações pós-parto, como depressão em mães e pais com EM, e, por isso, todos devem estar cientes quanto aos sinais e sintomas dessa doença psiquiátrica e como obter ajuda.
Considerações sobre o aleitamento materno na Esclerose Múltipla2
A amamentação exclusiva parece reduzir o risco de atividade da EM no período pós-parto, mesmo quando em comparação com mulheres que não amamentam ou retomam a TMD.
Desta forma, deve-se incentivar o aleitamento materno exclusivo sempre que possível (EM leve / moderada), e escolher uma TMD que não traga riscos ao bebê e às pacientes com EM grave, mas atualmente considera-se que os anticorpos monoclonais, sendo moléculas grandes, não cruzam a placenta no primeiro trimestre da gravidez e também pouca concentração no leite materno e se necessário, e de acordo com o seu neurologista podem ser mantidos no início da gravidez e durante amamentação do bebê2.
Lembre-se que é muito importante ter um diálogo aberto com o seu neurologista e compartilhar seus objetivos de vida e o que é mais importante para você nesta jornada.
Uma ferramenta valiosa disponível para pacientes com EM é o "EM Tempo de ser ouvido(a)", desenvolvida com o objetivo de auxiliar pacientes e médicos, a qual permite identificar as preferências e objetivos de vida do paciente, facilitando a elaboração de um plano de tratamento personalizado e adequado ao seu estilo de vida.
Este conteúdo foi elaborado pela neurologista Dra. Ana Piccolo (CRM 65895).
Dra. Ana é neurologista e mestre pela UNIFESP, docente do curso de medicina Universidade de São Caetano e atua à frente do Ambulatório de Doenças Desmielinizantes da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) e no grupo de doenças autoimunes do Beneficência Portuguesa (Esclerose Múltipla). Além disso, é membro do EMplus.
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